Extracto del artículo publicado en el nº 110 de la Revista Ábaco

Inês Amorim
Professora associada
Diretora do Departamento de História e de Estudos Políticos e Internacionais
Universidade do Porto

Paisagens culturais portuárias

As paisagens culturais portuárias incorporam um sentido patrimonial, essencial à sua identidade e mesmo sobrevivência. Elas testemunham, na longa duração, as mudanças de longo curso, na interação entre as condições geomorfológicas e as ações antrópicas, no quadro de estratégias locais, nacionais e internacionais, sejam económicas, políticas, ambientais e culturais. Os portos marítimos são o seu cerne e resultam de um processo de recomposição territorial, de acordo com as suas funções e as necessidades que os jogos de escala (transporte, comércio, mercados, etc.) exigem.

Neste contexto, o objetivo deste estudo é o de perceber em que medida as instituições que tutelam os espaços portuários do Noroeste de Portugal, dotados de personalidade jurídica de direito público e de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, lidam com o património cultural de que são herdeiros e, em particular, se este se torna um elemento forjador de novos ativos culturais nestas áreas portuárias e litorâneas. Estudos de caso, para outros espaços europeus, que incluem nos seus planos estratégicos de desenvolvimento projetos de gestão e proteção do património e paisagem portuária,3 fazem-nos acreditar na possibilidade de estabelecer um plano de ação futuro, que exige um diagnóstico, objetivo que pretendemos perseguir, ao seguir este percurso de investigação.

Para identificarmos esse património portuário, verificaremos como as instituições portuárias, em primeiro lugar e, de seguida, outras instituições, centrais e locais (câmaras municipais) o salvaguardam. Para tal, teremos que considerar a diversidade do património marítimo portuário, material e imaterial, que integra e identifica um território, fruto das suas múltiplas atividades.

As paisagens portuárias incluem espaços de ação que exigem a implantação de infraestruturas, as docas de abrigo, os rebocadores, os salva vidas, os sinais semafóricos, as boias luminosas; os molhes, diques, quebra-mares, paredões, etc.; as vias de comunicação de acesso, como as linhas férreas, e/ou a navegabilidade de vias fluviais e de canais; a balizagem, a iluminação das costas, os faróis, a marcações da entrada na barra; os armazéns, as alfândegas, as gares marítimas; as estruturas de reparação e construção naval e outras atividades económicas de que pode resultar uma atividade industrial (conservas, refrigeração, químicas, etc.); os fortes de defesa das barras; infraestruturas balneárias se com ligação ao turismo; estruturas ligadas ao ambiente religioso e devocional (capelas, ex-votos, etc.); os projetos, planos, desenhos, fotografias, cartografia, gravuras, contabilidade, associados à vida portuária e à sua gestão; os instrumentos de trabalho; as histórias de vida dos trabalhadores das diferentes profissões portuárias, a linguagem, as lendas, a religião, as devoções que alimentam a vida daqueles que trabalham no porto ou nas atividades que lhe dão vida.

Os processos de valorização destas evidências, tendem a ser objeto da missão e da ação dos museus, centros interpretativos, associações culturais que, de natureza pública ou privada, investigam, divulgam ou trabalham para o conhecimento do mar e os rios, demonstrando alguma preocupação com a preservação da memória e culturas marítimas. No presente estudo, contudo, debruçamo-nos sobre a ação das três administrações portuárias dos portos do noroeste de Portugal (de norte para sul: Viana do Castelo, Leixões/Porto e Aveiro) na preservação do “seu” património cultural. Metodologicamente, usaremos informação disponibilizada pelos respetivos sítios e plataformas virtuais e digitais, procurando perceber as referências àquele património, como é dinamizado e se é utilizado como elemento estratégico na criação de uma específica identidade. Procuraremos, ainda, pesquisar em páginas web disponibilizadas por instituições nacionais com a tutela do património cultural se estas se focam sobre o património cultural portuário relativo àqueles três portos. Assim, numa primeira parte, iremos definiremos as condicionantes geomorfológicas e históricas da evolução das paisagens portuárias no noroeste português. Numa segunda parte, procederemos a uma avaliação de como as administrações portuárias valorizam o respetivo património cultural e na terceira o possível envolvimento de instituições, com responsabilidades na gestão do património cultural.

As condicionantes geomorfológicas e históricas da construção dos espaços e paisagens portuárias de Portugal

Portugal tem 848 km de litoral, duas frentes, expostas a ocidente e a sul, caracterizado por arribas altas, com mais de 50 metros, costas com arribas médias ou apenas rochosas, litorais baixos, geralmente arenosos, entre geossistemas dunares, fluviomarinhos (estuários e deltas) e costa lagunar.

Historicamente, a linha da costa portuguesa terá sido perturbada por pequenas regressões no período romano (I a III), fim da Idade Média (XII e XIII) e na Pequena Idade do Gelo (XVI a XVIII), o que condicionou, muito provavelmente, a evolução da ocupação e utilização do litoral. As atividades como a pesca e o comércio foram dominantes, introduzindo os produtos que circulavam além-mar. Os inícios do século XIX acentuam o propósito de ordenamento portuário, à medida que o governo central avaliava o peso hierárquico dos portos portugueses e a engenharia se desenvolve. Com a pesca do bacalhau à Terra Nova, da década 90 do século XIX, e até à década de 20 do século XX, a riqueza gerada na pesca duplicou. A “Lei dos Portos”, de 1926 consolidou o regime das administrações portuárias. Na década de 50, deu-se a consolidação da indústria portuguesa de produtos químicos. E na década de 90 as adaptações ao transporte de granéis sólidos, líquidos e carga contentorizada. Nos inícios do século XX, os cruzeiros turísticos abrem novas perspetivas e os portos voltam a adaptar-se. Na década de 80, num contexto geral de evolução internacional do papel dos portos, a publicação da Lei Quadro do Sistema Portuário Nacional tornou os portos comerciais em instituto públicos, denominados administrações de portos, estatutariamente sob a forma de sociedades anónimas de capitais públicos e geridos pelos respetivos conselhos de administração (16 de Outubro de 1986 e 3 de Novembro de 1998).

Assim, do ponto de vista administrativo, atualmente, o sistema portuário de Portugal corresponde a cinco portos principais: Leixões, Aveiro (no Noroeste), Lisboa, Setúbal e Sines. Destes, observaremos os do Noroeste Português, ou seja, de norte para sul, o de Viana do Castelo, Leixões/Porto e o de Aveiro.

A valorização das paisagens portuárias do noroeste pelas respetivas administrações portuárias

O nosso objetivo é o de encontrar indicadores de valorização do património portuário pelas próprias administrações portuárias, cujas funções, são, fundamentalmente, de natureza económica. De que forma tais instituições lidam com o ambiente histórico em que se inserem? Em que medida acomodam na sua agenda atividades e propostas ganhadoras para melhorar a conservação do ambiente histórico em que se inserem? Em que medida o património e as paisagens portuárias fazem parte dos seus planos estratégicos? Existem procedimentos específicos, dentro das suas estruturas orgânicas, capazes e encarregadas de pensarem o “seu” património portuário?

Uma “viagem ao centro do Mundo”

Uma análise do sítio na web da Associação dos Portos de Portugal (APP) é obrigatória, dado que a Associação, sem fins lucrativos, constituída em 1991, pretende ser o fórum de debate e troca de informações de matérias de interesse comum, naturalmente o de atingir os melhores resultados económicos do trânsito comercial e transporte marítimo.

Um aspeto sobressai, de imediato e prende-se com o pequeno filme “Journey to the center of the world”, evocando o título da novela de Jules Verne (1864), mas, neste caso, recuando às raízes históricas de Portugal, relacionando-as com a expansão além-mar, e percorrendo os portos que hoje estão em atividade. O capital simbólico funciona como um apelo a uma memória que alimenta e dá valor às heranças identitárias de portos e de Portu(gal), cuja palavra se enraíza no latim “portus” (porto, refúgio) e que pretende, mesmo que sumariamente, dar valor à história de cada unidade portuária.

A mesma página centraliza trinta e oito categorias de informação que o motor de pesquisa permitirá recuperar. Entre elas, destaque, pela ligação ao nosso objeto de estudo, das seguintes categorias: ambiente, arte, ciência, educação, história, lazer, museus e publicações, que permitem aceder a muitas iniciativas culturais, por vezes em parceria com outras instituições públicas e privadas.

Sobressai, pelo grande destaque, uma gravura colorida, de um mapa, datado de 1807, que abre a possibilidade de consultar uma página web alojada na da APP, relativa ao “Arquivo histórico-documental do porto de Aveiro”. Organizada em diferentes categorias de informação, uma pesquisa simples ou orientada permite o acesso a documentos digitalizados e a pequenos filmes. A ficha técnica esclarece que se trata informação reunida entre 2006 e 2009, no âmbito das comemorações dos 200 anos da abertura da barra do porto de Aveiro.

A página web da APP permite estabelecer conexões com os outros portos do sistema portuário português, mas constata-se que cada um dos acessos abre uma página web de formato normalizado, sem permitir realizar qualquer pesquisa do seu conteúdo, como aconteceu quando se entrou no porto de Viana do Castelo. Assim sendo, procurou-se a página web da administração portuária do porto de Viana do Castelo, que apresenta um endereço completamente diferente. A página apresenta três grandes categorias, sendo na relativa a comunicação, na subcategoria publicações, que se encontra uma brochura promocional, com uma breve história do porto.

É, contudo, na ligação da página ao Facebook, como interação com a comunidade alargada de leitores indiferenciados, que surge um pequeno filme acerca da evolução da construção do porto durante a segunda metade do século XIX, utilizando fotografias, cartografia, pequenos filmes, daquela época, o que significa que o porto tem na sua posse um património documental significativo, exibido em exposição que é visitável no dia comemorativo da abertura do porto de Viana, a 23 de outubro “Dia dedicado à comunidade”.

Titan: “o Renascer”

O porto de Leixões situa-se no concelho de Matosinhos, porto artificial que substituiu o antigo porto, no estuário do Douro, na cidade do Porto. No seu website, existe uma subcategoria designada por “História”. Nela se faz um longo e aprofundado historial acerca da construção do porto, durante o século XIX, apresentando fotos, mapas, desenhos, indicados como sendo documentação pertencente ao Arquivo do Porto de Leixões. Numa pesquisa simples acerca do “titan”, um guindaste que fazia parte das estruturas portuárias de qualquer porto do século XIX, recuperou-se a informação acerca do guindaste movido a vapor, que se deslocava sobre carris, construído e montado em 1888. Refere-se ao restauro por uma equipa interdisciplinar de um verdadeiro símbolo do património industrial de Portugal, devidamente documentada através da transmissão de vídeos e fotografias da obra nas plataformas de comunicação especialmente criadas para o efeito, o Facebook, assim como uma página web específica. Neste último caso, sob o título “Titan o renascer”, apresenta-se uma curta metragem que contextualiza a sua montagem, através da inserção de fotografia, cartografia antiga, apresentado por um historiador bem conhecido da televisão portuguesa, narrando e documentando a sua instalação, destruição e atual recuperação.

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